segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Aula 19: 20 de outubro


Palestra do fotógrafo convidado : Aguinaldo Ramos
Vice-presidente da ARFOC - Rio.

O retrato no fotojornalismo
Para Aguinaldo Ramos, “na hora de fotografar, a importância relativa do fotografado não é questão tão fundamental assim para o fotojornalista... Ele está acostumado a tratar todas as pessoas como iguais. Pelo menos, as que entram naquele pequeno espaço retangular à frente de sua câmara e do seu clique. O desafio que lhe é constante é a “grande foto”. Qualquer assunto pode dar uma
grande foto, não é necessariamente o tema que fará a diferença. No caso do retrato, não é preciso que o fotografado seja uma celebridade(...)
O repórter-fotográfico entende que há um espaço a ocupar, que suas escolhas se
tornarão a fotografia que a sua máquina vai registrar. Assim, não vê apenas a pessoa à sua frente, mas também suas (de ambos) circunstâncias. Não deixa jamais de ficar atento ao entorno, ao ambiente, aos movimentos, em seus aspectos físicos e nos sentidos simbólicos. Os objetos disponíveis, se não sugerem significados correlatos às atividades ou às condições do fotografado (digamos, um caminhão atrás de seu motorista...), servirão, ao menos, para algum
jogo visual que diferencie sua foto em relação a outras possíveis (entre infindáveis
alternativas, por exemplo, deixar cair sombras sobre uma pessoa desanimada ou triste).
Muitas vezes desvalorizado pelo próprio fotojornalista (e sequer considerado
fotojornalismo em algumas instâncias, aquelas que supervalorizam o registro dos fatos em sua dinâmica), o retrato é uma categoria em geral tão pouco prestigiada, que chega a ter entre os repórteres-fotográficos um apelido pejorativo: “boneco”...
”Fazer um boneco”, como diz o jargão fotojornalístico, é expressão usada com
freqüência nas redações. Sua aplicação começa no momento em que o repórter-fotográfico recebe a tarefa (para ele, em geral) ingrata de sair da redação e, às vezes, atravessar grande parte da cidade para fotografar não mais do que uma única pessoa. Continua quando esta pessoa (que não estará fazendo nada de especial, a não ser esperá-lo chegar...) simplesmente olha para a câmara do fotógrafo e abre seu melhor sorriso, à espera do clique. Ou, quando elaaceita qualquer sugestão do fotógrafo, por mais estranha que possa parecer, desde plantar bananeira até subir no telhado, o que só acontecerá, porém, se estiver convicta de que terá muito a ganhar com a promoção de sua imagem após a publicação da fotografia. E pode terminar com o retorno à redação do, a essa altura, mal-humorado profissional, quando ouvirá dos colegas relatos entusiasmados sobre as grandes fotos que acabaram de fazer, registros dos
principais acontecimentos da cidade, fotos candidatas à primeira página...
Este seria o ponto de vista de repórteres-fotográficos empregados na imprensa,
funcionários de um jornal diário. Disputando espaço nas páginas, não é de estranhar que desenvolvam alguma resistência à tarefa, para eles prosaica, de “fazer bonecos”, de tirar retratos...
Para os fotógrafos de revistas, o retrato é tarefa mais habitual e também mais
valorizada. Numa revista, não é difícil que a principal fotografia de uma edição seja um retrato e é muito freqüente que venha a se tornar a própria capa.
Para um terceiro grupo, os free-lancers (autônomos que ganham pelas “saídas”158 que realizam), fazer um retrato, sendo trabalho remunerado, não é um desmerecimento, tem até suas vantagens... “Bonecos” costumam ser as mais fáceis e mais rápidas tarefas, dentre todas as que podem ser solicitados pelas redações, e esta boa relação custo-benefício também tem o seu valor...
O “boneco” no fotojornalismo
Será o boneco, o retrato, uma forma de fotojornalismo?... Evidente que sim. Em
primeiro lugar, considere-se que no fotojornalismo não há, praticamente, distinção entre o retrato e a reportagem propriamente dita. Toda reportagem, no seu transcorrer, tende a incluir retratos. Ainda que a matéria não se prenda a pessoas ou grupos (por exemplo, na cobertura de um evento tipicamente coletivo, um dia de sol na praia), é quase certo que no andamento do trabalho surgirão “personagens”, pessoas que, pelas suas declarações ao repórter ou por
seus gestos ou atos, ganharão destaque no texto. E faz todo sentido, para o resultado da reportagem, que sejam fotografadas individualmente.
Quando a indicação da tarefa é fotografar uma única pessoa, durante uma entrevista ou
para ilustrar declaração prévia ou mérito específico, estamos no âmbito do “boneco”, do retrato para fins jornalísticos. De um modo geral, não chega a haver contestação formal contra o caráter fotojornalístico deste tipo de tarefa, mas cabe, neste momento, relembrar a
resistência que muitos repórteres-fotográficos têm a ela.
A grande restrição (quando chega a ser explicitada) aparece na reclamação, um pouco mais sofisticada, de que se trata de uma fotografia em que não se faz o registro de, para tentar, simploriamente, definir o que é notícia um fato em progressão, de um acontecimento, de um evento. Ao contrário, não está acontecendo nada: o fotógrafo é que tende a criar a imagem. Contra tal argumentação é suficiente fazer uma comparação entre retratos e as reportagens do tipo ambiental ou turística, quando, nestas, são fotografados, por exemplo, os amplos espaços de uma região despovoada: nos termos restritos de fotojornalismo sugerido por esta posição, também não está acontecendo praticamente nada... No caso do retrato, pelo menos, o objeto da foto, a sua matéria-prima, é um outro ser humano.
A dificuldade principal
São prolegômenos... O grande problema do retrato parece ser a quase ausência de barreiras entre o fotógrafo e o fotografado. Diga-se logo, é um incômodo mútuo: os fotografados poderão se sentir altamente invadidos, os fotógrafos também terão que superar limitações interiores... Esta proximidade excessiva pode, muitas vezes, ser desagradável, às vezes até forçada, para ambos os lados. E talvez seja este o grande problema a envolver o retrato. Uma das grandes qualidades do fotojornalista costuma ser a frieza diante do fato, uma quase indiferença, resultado de um treinamento emocional que a própria prática lhe dá. Na tarefa do retrato encontramos situações de timidez, vergonha, intimidação, irritação, para citar
algumas... Muitos fotógrafos dizem ser mais cômodo fotografar, por exemplo, um tumulto de rua a “fazer um boneco”. Muitos fotografados sentem-se melhor em falar para uma grande platéia do que em posar para um retrato...
Evidentemente, é a ênfase negativa, a das dificuldades. Para outros fotógrafos, um
retrato é um manancial. Estes se sentem completamente à vontade, fazem do retrato uma especialidade, a sua epifania. Questão de personalidade, de aprendizado das técnicas e até, em certas histórias de vida, de falta de opções... Importa acreditar que fazer um retrato não é uma
forma de tortura contra o fotografado, nem um gesto de autoflagelação do fotógrafo. Logo por isto (independente do resultado que se consiga ou do uso que se dê), o retrato já demonstra ter características do fotojornalismo. Fazer o retrato de uma pessoa qualquer com quem não se tem vínculos afetivos ou comerciais é, em toda a sua máxima expressão, trabalho para um repórter-fotográfico.

FORMAS DO RETRATO FOTOJORNALÍSTICO
Mas, o boneco... (é hora de abandonar o termo, por conta da qualidade do que temos à frente), digo, o retrato também pode resultar em fotos muito especiais, muitas delas, sem dúvida, merecedoras do epíteto “históricas”. Mas, o que pode fazer de um retrato uma foto histórica?... Pelas escolhas dos depoentes, a resposta mais propícia é, aparentemente, “a personalidade do entrevistado”...



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