sábado, 30 de maio de 2009

Um pouco mais de Delicadeza

Marc Riboud, Protesto contra a Guerra do Vietnã, EUA, 1967

Pesquisando sobre delicadeza,deparo-me com alguns textos e artigos em que ela é vista de forma piegas. Como se no mundo pós-moderno em que vivemos não tivesse espaço para sermos delicados.Ou que delicadeza não possa ser uma força. Pois temos pressa, temos que ser determinados, decidirmos rápido. Na opinião de muitos, temos quase que matar um leão a cada dia e, sendo delicados, não conseguiremos! Para alguns, ser delicado é ser antigo, ultrapassado. E quem quer ser antigo? Quando precisamos provar sempre o contrário, que estamos atualizados, antenados com tudo e com todos.
Apesar da cena contemporânea prever a multiplicidade do tempo, a todo instante escavamos o passado e o transpomos para o devir do futuro, sendo o presente esse trânsito, muitas das leituras tratam o passado como fixo, ordenado, como se isso fosse possível. Mas que passado trazemos à tona? Não um cristalizado, com ordem estabelecida. Nesse, a delicadeza é tratada como piegas.
Pensando em termos de delicadezas, o importante para mim nesse exercício proposto de inventar, construir e reproduzir em imagem e, ainda mais difícil, a partir do retrato, a delicadeza, é tentar trazer à tona, esse sentimento com texturas, cores, atmosferas, iluminação, composição, que a fotografia permite. Mas, sobretudo, pensá-la em gestos, atos, momentos em que através da ação ela possa fazer a diferença, para que possamos nos sentir um ser humano melhor.É nesse aspecto que a delicadeza se torna ética e potente e o texto do Denilson, que reproduzo alguns trechos abaixo, fala sobre isso.Além de ato, a delicadeza é uma busca, um entregar-se. O fato de nos propormos a pensar sobre ela já de alguma forma a traduz em nós e no nosso olhar.Denilson usa o cinema para discutir e espelhar a delicadeza. Nosso desafio é expressá-la através da imagem fotográfica.Vou postar várias imagens onde percebo a delicadeza para inspirá-los em suas composições.A foto de Marc Riboud, de 1967, registrada numa Passeata contra a guerra do Vietnã, EUA, em 1967 é o sinônimo da força da delicadeza. Um gesto forte, ousado e corajoso que evidencia a delicadeza por alguns elementos da composição da imagem como a flor, a mulher, o tecido leve de sua roupa e seu olhar de desprendimento, muito mais do que de ameaça. Ela lança um desafio a partir de sua delicadeza e a torna uma arma potente. Por outro lado, o olhar do soldado é muito mais de medo e retração, do que de violência. Essa foto correu o mundo e foi utilizada como símbolo da luta pela paz.



Trechos do livro "A Delicadeza: estética, experiência e paisagens", do professor da ECO, Denilson Lopes publicado em 2007 pela Editora UNB com apoio da FINATEC.
“Tudo começou, começa com o desejo de falar sobre a beleza hoje em dia, da possibilidade da estética, após os Estudos Culturais. Uma estética adequada a uma produção cultural e artística que se firmaram após os anos 70 do século passado, quando cada vez mais os meios de comunicação de massa se tornam parte integrante da experiência cotidiana das sociedades contemporâneas. Em contraponto à violência, à crueldade e ao excesso, tive como guias a delicadeza, a leveza e o banal.
“A delicadeza não é, portanto, só um tema, uma forma, mas uma opção ética e política, traduzida em recolhimento e desejo de discrição em meio à saturação de informações.”

“Os ensaios têm um fio condutor na delicadeza, embora ela nunca se explicite de todo. A delicadeza se traduz desde a busca de uma sutilidade conceitual para apreender os trânsitos entre filmes, romances e músicas de diferentes culturas até a seleção dos trabalhos escolhidos de Kielowski, Bressane, Rafael França a Terence Davies, passando pelo cinema brasileiro a poemas de Carlito Azevedo e uma poética da intimidade, presente nos romances de Adriana Lisboa e João Almino, que se contrapõe a uma estética da violência e do excesso tão valorizada pela crítica e pelo público hoje em dia.”


“Inútil beleza
A tudo rendida,
Por delicadeza
Perdi minha vida.
Arthur Rimbaud (trad. De Augusto de Campos)

“Toda uma vida naqueles flocos de neve que imaginei antes de ver. Penugens na janela. Um mundo todo de delicadezas. Eu só aqui olhando minhas lembranças enquanto a noite avança. Não mais estórias. Estou cansado do esforço de contar. Um assobio corta a noite. Poderia nunca mais parar. Paisagem inútil”. (Denilson Lopes)

“Que destino teria a beleza hoje em dia? Seria o de Gustav Von Aschembach em "Morte em Veneza" (1971), de Luchino Visconti? Quanto mais ele procura a beleza, mais se aproxima da morte. Seria essa impossibilidade o destino do esteta hoje em dia? Seria uma recusa desesperada da mediocridade como no suicídio de Mishima? (..)
Penso ainda em "Beleza americana" (1999), o filme de Sam Mendes. Lester, o protagonista, se encanta por Angela, amiga de sua filha Jane, numa coreografia antes de um jogo na escola em que música e desejo se fundem. Ele larga seu emprego, começa a fazer musculação, volta a ouvir rock, procura recuperar sua juventude. Ainda que essas cenas sejam tratadas pelo diretor como ridículas, patéticas, é a partir desse momento que o protagonista se modifica. No mesmo filme, o jovem Ricky é quem mais parece traduzir a possibilidade transformadora da beleza na vida cotidiana. Ele filma o que o rodeia, buscando não só ser voyeur, mas estar-no-mundo. Ao relatar a Jane o que de mais belo tinha filmado, um saco que por 15 minutos volteava à sua frente, ele se aproxima como nunca até então de outra pessoa. É pela beleza que acontece esta possibilidade, por breve que seja, de estar-no-mundo; trata-se mais de uma “intensidade” do que de uma “elevação”. (Lyotard, 1998, p-111)

“Falar da beleza não é um discurso inútil. Me coloca , ao mesmo tempo, no mundo novamente reencantado (BAUMAN, 1997, p-42) e na minha própria solidão, ao “reunir/ cada fragmento nosso, perdido, / de dor e de delicadeza” (Carlito Azevedo, “Na Gávea”). Ou seria este desejo, isto tudo ilusão? A beleza e nada mais sigo.”


“Mas o que fazer quando nosso cotidiano se transformou em experiência multimidiática? Acelerar, ir mais rápido, ser mais veloz, aderir ao simulacro ou estabelecer pausas, silêncios, recolhimento?”

Na introdução do livro, Ana Chiara pergunta: “O que é cotidiano? Posso ainda pensar o cotidiano como cotidiano? Lembro que para minha geração o cotidiano talvez fosse o contrário da esfera pública para onde muitos se bandearam pegando em armas, fazendo política, sexo e rock and roll. Talvez fosse o espaço rejeitado da mediania, o espaço tedioso da repetição, do mal-estar, do nada de extraordinário acontecendo. (..) Lembro que fugíamos do cotidiano em busca de quê? Nem me lembro mais, talvez de aventura....Pergunto se nestes dias de relações esgarçadas, da opressão de um sistema de trabalho competitivo e exaustivo, da influência e sobre determinação de imagens invasivas e da própria violência urbana, pergunto se nestes dias o cotidiano não seria uma elaboração defensiva diante da precariedade e imprevisibilidade das vidas comuns ameaçadas de todos os lados, em todos os níveis.

De que cotidiano ele (Denilson) trata afinal? Quem poderia negar os afetos violentos do cotidiano: medo, raiva, inveja, ciúme, sentimentos inconfessáveis e por isso mesmo todo-poderosos?(..)
A palavra cotidiano fica boiando na minha frente. Ela brilha como uma ilusão. Como uma bolha de ar, pode ser desfeita a qualquer minuto. Basta para isso que um homem decida pegar um avião e entrar com ele numa torre. Basta pôr um cinto de explosivos e viajar no metrô.. Basta estar passando pelas grandes vias do Rio no meio de um tiroteio.(..) Talvez o cotidiano contemporâneo seja essa possibilidade do terror a cada momento ou a impossibilidade do cotidiano. Além, é claro, do terror do cotidiano. Da mesmice. Da chatice. Da caretice. Ou talvez seja apenas o meu terror cotidiano”.

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